sexta-feira, 29 de abril de 2011

A VALSA




             Leia escutando a música... É bom...

            Foi um dia muito engraçado. Nunca levava o violão para a aula, mas hoje resolveu levar. Por coincidência, era o dia em que uma pessoa importante visitaria o campus. Quem era? Não fazia ideia... Só ouvira falar. Na hora da chegada, resolveu ir e dar uma espiada no acontecia. Também nunca fora a algum evento desse tipo. É... pelo visto era o dia das mudanças.

            Lá chegando, percebeu que a movimentação não estava tão grande. A divulgação não fora boa (ou fora assim de propósito). Pensou que seria apenas uma pessoa, mas era uma mãe e seu filho. Pensou também que seriam pessoas chatas, cheias de peculiaridades. Mas, surpreendentemente, eram pessoas simples e muito agradáveis. Falavam de assuntos diversos, como dando palestra. O filho era mais como um acompanhante. A estela era a mãe.

            Quase pelo final, a mulher comentava de música e perguntou se ninguém tinha um violão para emprestar. Uns dois apareceram, mas o dela fora o escolhido. Quem recebeu foi o filho. Nossa, que olhos... Extremamente penetrantes… Foi um daqueles momentos em que os olhos se encontram e se reconhecem, como se há muito estivessem se procurando… Que sensação maravilhosa! A partir dali, qualquer momento era desculpa para se olharem e trocarem sorrisos. A mãe logo percebeu, mas apenas ela. Claro, mães conhecem seus filhos.

            Após a apresentação, todos se dispersaram, mas a moça ficou. Passou um bom tempo conversando com o filho e a mãe, ao passo que ela se encantava cada vez mais. Contudo, a hora de partir aproximava-se. A emoção era tanta, que se esqueceu de trocar telefones ou coisas parecidas. Despediram-se e cada um voltou para o seu mundo.

            Muito tempo passou e a moça nunca esquecera aquele rapaz que tanto a encantara. Estudou, trabalhou, dançou, se apaixonou… Mas nada nunca fora igual ao momento mágico que passara.

            Dois anos depois, ouviu dizer que aquele par voltaria à universidade. Esperou ansiosamente aquele momento. Uma coisa era certa: ele não recordaria dela. Como se lembraria de uma moça que conversara há tanto tempo. Com certeza já estaria casado, já que ser importante traz responsabilidades. Levou, novamente, seu violão. Nunca se sabe…

            Desta vez o lugar estava cheio. Muitos esperando para ver aquelas pessoas que tanto encantara a todos. E, por coincidência ou não, muitos traziam consigo seus violões. Isso fez com que a moça se sentisse ainda mais desesperançada.

            Como da outra vez, a mãe falou maravilhosamente bem, com encanto e graça. E como o esperado, o filho estava com ela, mais encantador ainda. A moça estava decidida: não apareceria. Ficaria recôndita, apenas o observando. Não correria o risco de tentar um contado mais direto e passar uma vergonha.

            A mãe pediu um violão, de novo. Mas agora choveu instrumentos. A moça deixara o seu no canto, ao alcance do filho. Este o pegara, mas percebeu que a pessoa que o entregara já havia se escondido. Isso o intrigou, pois reconhecera o violão e procurava sua dona, aquela que o encantara há dois anos. Entregou o violão à mãe e disse que era da moça.

            Esta, conforme planejara, escondera-se bem no cantinho do local, perto de uma árvore. Terminada as festividades, o moço saiu a sua procura. Achara-a. Foi mais um encontro divino. Não, ele não a esquecera. Pelo contrário, procurou-a todo este tempo, assim como ela o fizera. Tudo isso foi percebido naquele olhar.

            Uma valsa tocava ao longe. Ele a tomou nos braços e rodopiaram. Aquela dança os embalava fazendo com que tudo e todos ao redor sumissem. Existiam apenas os dois e nada mais. Beijaram-se. Um beijo esperado por dois anos, mas era também o reencontro de duas almas separadas por uma vida. A partir daquele momento, nunca mais se separariam, pois finalmente se reencontraram, para todo o sempre, pois este era o destino…

quinta-feira, 28 de abril de 2011

COMO DIZIA O POETA



Quem já passou por essa vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu
Ah, quem nunca curtiu uma paixão nunca vai ter nada, não
Não há mal pior do que a descrença
Mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão
Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair
Pra que somar se a gente pode dividir
Eu francamente já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer
Ai de quem não rasga o coração, esse não vai ter perdão


(Vinícius de Morais e Toquinho)

domingo, 24 de abril de 2011

NESTA RUA


"Nesta rua, nesta rua, tem um bosque
Que se chama, que se chama, Solidão
Dentro dele, dentro dele mora um anjo
Que roubou, que roubou meu coração
Se eu roubei, se eu roubei seu coração
É porque tu roubastes o meu também
Se eu roubei, se eu roubei teu coração
É porque eu te quero tanto bem
Se esta rua se esta rua fosse minha
Eu mandava, eu mandava ladrilhar
Com pedrinhas, com pedrinhas de brilhante
Para o meu, para o meu amor passar."

domingo, 17 de abril de 2011

SEPARAÇÃO – VINÍCIUS DE MORAIS

Voltou-se e mirou-a como se fosse pela última vez, como quem repete um gesto imemorialmente irremediável. No íntimo, preferia não tê-lo feito; mas ao chegar à porta sentiu que nada poderia evitar a reincidência daquela cena tantas vezes contada na história do amor, que é história do mundo. Ela o olhava com um olhar intenso, onde existia uma incompreensão e um anelo, como a pedir-lhe, ao mesmo tempo, que não fosse e que não deixasse de ir, por isso que era tudo impossível entre eles.

Viu-a assim por um lapso, em sua beleza morena, real mas já se distanciando na penumbra ambiente que era para ele como a luz da memória. Quis emprestar tom natural ao olhar que lhe dava, mas em vão, pois sentia todo o seu ser evaporar-se em direção a ela. Mais tarde lembrar-se-ia não recordar nenhuma cor naquele instante de separação, apesar da lâmpada rosa que sabia estar acesa. Lembrar-se-ia haver-se dito que a ausência de cores é completa em todos os instantes de separação.

Seus olhares fulguraram por um instante um contra o outro, depois se acariciaram ternamente e, finalmente, se disseram que não havia nada a fazer. Disse-lhe adeus com doçura, virou-se e cerrou, de golpe, a porta sobre si mesmo numa tentativa de seccionar aqueles dois mundos que eram ele e ela. Mas o brusco movimento de fechar prendera-lhe entre as folhas de madeira o espesso tecido da vida, e ele ficou retido, sem se poder mover do lugar, sentindo o pranto formar-se muito longe em seu íntimo e subir em busca de espaço, como um rio que nasce.

Fechou os olhos, tentando adiantar-se à agonia do momento, mas o fato de sabê-la ali ao lado, e dele separada por imperativos categóricos de suas vidas, não lhe dava forças para desprender-se dela. Sabia que era aquela a sua amada, por quem esperara desde sempre e que por muitos anos buscara em cada mulher, na mais terrível e dolorosa busca. Sabia, também, que o primeiro passo que desse colocaria em movimento sua máquina de viver e ele teria, mesmo como um autômato, de sair, andar, fazer coisas, distanciar-se dela cada vez mais, cada vez mais. E, no entanto, ali estava, a poucos passos, sua forma feminina que não era nenhuma outra forma feminina, mas a dela, a mulher amada, aquela que ele abençoara com os seus beijos e agasalhara nos instantes do amor de seus corpos. Tentou imaginá-la em sua dolorosa mudez, já envolta em seu espaço próprio, perdida em suas cogitações próprias - um ser desligado dele pelo limite existente entre todas as coisas criadas. De súbito, sentindo que ia explodir em lágrimas, correu para a rua e pôs-se a andar sem saber para onde...

domingo, 10 de abril de 2011

O AMOR POR ENTRE O VERDE – VINÍCIUS DE MORAIS

Não é sem frequência que, à tarde, chegando à janela, eu vejo um casalzinho de brotos que vêm namorar sobre a pequenina ponte de balaustrada branca que há no parque. Ela é uma menina de uns treze anos, o corpo elástico metido num blue jeans e um suéter folgadão, os cabelos puxados para trás num rabinho-de- cavalo que está sempre a balançar para todos os lados; ele, um garoto de, no máximo, dezesseis, esguio, com pastas de cabelo a lhe tombar sobre a testa e um ar de quem descobriu a fórmula da vida.

Uma coisa eu lhes asseguro: eles são lindos e ficam montados um em frente ao outro, no corrimão da colunata, os joelhos a se tocarem, os rostos a se buscarem a todo momento para pequenos segredos, pequenos carinhos, pequenos beijos. São, na sua extrema juventude, a coisa mais antiga que há no parque, incluindo velhas árvores que por ali espapaçam sua verde sombra; e as momices e brincadeiras que se fazem dariam para escrever todo um tratado sobre a arqueologia do amor, pois têm uma tal ancestralidade que nunca se há de saber a quantos milênios remontam.

Eu os observo por um minuto apenas para não perturbar-lhes os jogos de mão e misteriosos brinquedos mímicos com que se entretêm, pois suspeito de que sabem de tudo o que se passa à sua volta. Às vezes, para descansar da posição, encaixam-se os pescoços e repousam os rostos um sobre o ombro do outro, como dois cavalinhos carinhosos, e eu vejo então os olhos da menina percorrerem vagarosamente as coisas em torno, numa aceitação dos homens, das coisas e da natureza, enquanto os do rapaz mantêm-se fixos, como a prescrutar desígnios. Depois voltam à posição inicial e se olham nos olhos, e ela afasta com a mão os cabelos de sobre a fronte do namorado, para vê-lo melhor e sente-se que eles se amam e dão suspiros de cortar o coração. De repente o menino parte para uma brutalidade qualquer, torce-lhe o pulso até ela dizer-lhe o que ele quer ouvir, e ela agarra-o pelos cabelos, e termina tudo, quando não há passantes, num longo e meticuloso beijo.

- Que será – pergunto-me eu em vão – dessas duas crianças que tão cedo começam a praticar os ritos do amor? Prosseguirão se amando, ou de súbito, na sua jovem incontinência, procurarão o contato de outras bocas, de outras mãos, de outros ombros? Quem sabe se amanhã quando eu chegar à janela, não verei um rapazinho moreno em lugar do louro ou uma menina com a cabeleira solta em lugar desta com cabelos presos?

– E se prosseguirem se amando – pergunto-me novamente em vão – será que um dia se casarão e serão felizes? Quando, satisfeita a sua jovem sexualidade, se olharem nos olhos, será que correrão um para o outro e se darão um grande abraço de ternura? Ou será que se desviarão o olhar, para pensar cada um consigo mesmo que ele não era exatamente aquilo que ela pensava e ela era menos bonita ou inteligente do que ele a tinha imaginado?

É um tal milagre encontrar, nesse infinito labirinto de desenganos amorosos, o ser verdadeiramente amado… Esqueço o casalzinho no parque para perder-me por um momento na observação triste, mas fria, desse estranho baile de desencontros, em que frequentemente aquela que deveria ser daquele acaba por bailar com outro porque o esperado nunca chega; e este, no entanto, passou por ela sem que ela o soubesse, suas mãos sem querer se tocaram, eles olharam-se nos olhos por um instante e não se reconheceram.

E é então que esqueço tudo e vou olhar nos olhos de minha bem-amada como se nunca a tivesse visto antes. É ela, Deus do céu, é ela! Como a encontrei, não sei. Como chegou até aqui, não vi. Mas é ela, eu sei que é ela porque há um rastro de luz quando ela passa; e quando ela me abre os braços eu me crucifico neles banhado em lágrimas de ternura; e sei que mataria friamente quem quer que lhe causasse dano; e gostaríamos que morrêssemos juntos e fôssemos enterrados de mãos dadas, e nossos olhos indecomponíveis ficassem para sempre abertos, mirando muito além das estrelas.